Quais
os limites da ética acadêmica? Há alguns anos, leciono cursos de ética para o
ensino médio. Nesses anos todos, tento instigar os alunos a pensarem sobre as
possibilidades das suas próprias ações frente aos problemas que são colocados
pela sociedade atual. Acredito, piamente, que o estudo da filosofia deva ser
feito desde as séries iniciais e que, quanto mais pensarmos a ética, maior será
a possibilidade de tentar, humanamente, mudar a triste situação que ronda o
mundo.
Para
isso, acredito que, precedendo os estudos sobre ética, deva se fazer uma
exposição e discussão atentas sobre a ontologia, ou seja, pensar o que é o ser
humano. Se a filosofia tenta tratar, desde as épocas mais primordiais, o que é
o homem, nada melhor do que tirar dos espaços universitários essa discussão e
expô-la à sociedade, para que a construção do entendimento humano seja – veja
que que maravilha! – pensado por humanos em uma amplitude jamais vista. Talvez
essa seja a prática da ação comunicativa de Habermas. Talvez seja apenas uma
ilusão – dentre as tantas que eu tenho – sobre possíveis melhorias sociais.
Mas
a discussão que quero fazer diz respeito aos limites da ética acadêmica,
portanto, a discussão acima, serve apenas de preâmbulo do que quero dizer aqui.
Recentemente,
ocorreu na UFRGS um grande debate sobre o uso de animais em testes de
laboratório. A discussão foi intensa, calorosa, resultando em uma participação
docente e discente sem precedentes. Podemos usar – ou melhor, poderiam os
cientistas – animais para o desenvolvimento da ciência? Se os animais são
considerados seres sencientes, ou seja, capazes de percepção através dos
sentidos, podemos privá-los da liberdade em favor da ciência? Tenho um grande
amigo, Douglas Senna, neurocientista, que em sua pesquisa de doutoramento
utilizou vários camundongos e, anos depois, em uma conversa comigo, defendeu um
processo de humanização da utilização dos animais. O seu argumento era a
precariedade das técnicas e dos instrumentos para a pesquisa com animais, o que
resultava em um gasto desnecessário de animais, em termos quantitativos.
Entretanto, salientava que havia uma necessidade do uso, levando em
consideração que a reação biológica, natural, dos animais não podia, ainda, ser
observada em programas de computador ou então em animais sintéticos, feitos com
borracha e sistemas automotores. A discussão é imensa e vale a pena dar uma
olhada nos novos artigos, que vêm sendo constantemente publicas nas revistas
acadêmicas ao redor do mundo.
Mas
como essa coluna não é científica, limito-me às considerações filosóficas,
utilizando como exemplo o brilhante filme O
experimento Milgram, de 2015. Stanley Milgram foi um estudioso da
psicologia social que, nos Estados Unidos dos anos 1950 até 1980, pesquisou o
comportamento humano a partir da ação humana em situações em que a autoridade
era impositiva. Explico: ele queria saber como as pessoas reagiam em situações
em que eram mandadas executar algo que causava dor no outro. O teste criado
pelo Professor Milgram consistia em pegar um sujeito desconhecido, americano
comum, e colocá-lo em um experimento em que receberia o título de “professor”,
devendo obedecer um roteiro em que ele faria perguntas a um suposto “aluno”.
Cada vez que este errasse, aquele deveria apertar um botão que emitia um choque
no “aluno”, para castigo pelo erro. O choque aumentava sua intensidade cada vez
que o aluno errava.
Problema:
o Professor Milgram foi acusado de falta de ética acadêmica no experimento. O
suposto “aluno” era membro da equipe de pesquisa; o “professor” era o objeto de
pesquisa. Eles eram colocados em salas separadas e o “professor” recebia um
choque, de pequena voltagem, apenas para saber como era a primeira intensidade
da carga elétrica. O “aluno” ficava na outra sala e não recebia choque algum.
Apenas uma gravação de áudio emitia expressões de dor a cada resposta errada
(eram todas) e a voz pedia, constantemente, para que parassem os choques. Ou
seja, o “professor” era enganado, achando que o “aluno” estava sofrendo, o que
não era verdade. O final do experimento era o momento em que se explicava ao
objeto de pesquisa, o “professor”, que tudo não passava de uma encenação e que
estava tudo bem.
Baseaava-se
fortemente na análise de Hannah Arendt sobre o julgamento de Adolf Eichmann,
oficial nazista que, após o final da II Guerra Mundial fugiu para a Argentina
e, sendo descoberto, fora levado a Jerusalém para ser julgado por um tribunal
hebraico pelos crimes contra os judeus durante o Holocausto, acabou por dar
origem ao livro “Eichmann em Jerusalém” e a criação do conceito de “Banalização
do mal”. O objetivo da pesquisa do Professor Milgram era descobrir se as
pessoas têm tendência em obedecer quaisquer ordens, desde que vindas de algum
superior. Os participantes do experimento, mesmo que quisessem parar de dar os
choques, escutavam ordens de um outro pesquisador que ficava na sala,
dizendo-lhe que era sua função aplicar o teste e dar os choques. O resultado é
que a maioria, mesmo a contragosto, acabava por executar o que era pedido.
A
acusação sobre a falta de ética veio porque alguns participantes acabaram por
ficar psicologicamente abalados ao descobrir sua tendência a cometer atos
cruéis contra pessoas desconhecidas. Por que não se levantavam e iam até a
outra sala, salvar o “aluno”, dando um fim a um experimento que causava dor? As
pessoas ficavam perplexas ao confrontarem-se com suas ações que poderiam ser
consideradas obscuras e desumanas.
O
filme retrata, de maneira bastante clara, tanto os experimentos quanto as
teorias do Professor Milgram. A atuação de Peter Sarsgaard é muito boa e a
direção usou o recurso técnico em que o Professor Milgram fala com o
expectador, explicando ao público a base de sua teoria. Também mostra suas
defesas sobre suas próprias pesquisas.
Ética
é um tema antigo, mas que permanece sempre atual. Mostra a necessidade de cada
vez mais discutirmos ética nos mais variados sentidos. E nos leva a questionar:
a ética acadêmica, o uso de pessoas (ou animais) em experimentos é aceitável ou
não? E você, leitor, qual sua opinião sobre esses usos científicos com animais
ou com seres humanos?